Os hidratos de carbono (HCO) têm sido associados à melhoria do desempenho físico nos desportos de resistência, particularmente nos de alta intensidade. Corredores, ciclistas e remadores relatam recorrentemente melhorias em diversos parâmetros da sua performance, nomeadamente nos níveis de energia, quando seguem dietas ricas em HCO ou após suplementação com HCO. Mas as diferentes modalidades têm diferentes abordagens no que respeita à duração, à intensidade do treino e aos tipos de exercício, que são determinantes para os moldes em que se implementa uma dieta.
Antes de avançarmos para a explicação dos mecanismos envolvidos no processo e abordagem de outras informações relevantes, é importante definir desde já o que é exatamente o treino de resistência. De forma simples, quando falamos em treino de resistência, referimo-nos a um conjunto de “exercícios que dependem predominantemente da produção aeróbica de energia sob a forma de ATP”. Ficaste interessado? Então continua a ler…
- Porque é que os hidratos de carbono são importantes- Transporte e utilização dos hidratos de carbono- Como conseguir adaptações metabólicas- Dose diária de hidratos de carbono- Suplementar com hidratos de carbonoPorque é que os HCO são tão importantes?
De forma muito resumida, a literatura disponível afirma que, em treinos com duração superior a 30 minutos, os principais responsáveis pela sensação de fadiga são a depleção das reservas de HCO, o desconforto gastrointestinal (GI), a hipertermia e a hiponatremia - níveis de sódio sanguíneos demasiado baixos - que são sintomas ainda mais prevalentes nos treinos que duram mais de 4 horas.
Transporte e utilização dos HCO
O fator limitador da taxa de utilização dos HCO pelo organismo é o seu transporte intestinal. A passagem dos HCO do intestino para a corrente sanguínea requer a ativação dos transportadores membranares de proteínas conhecidos como SGLT1 (glicose) e Glut5 (frutose), e sem os quais os HCO não conseguem atravessar a mucosa intestinal. Os pontos de saturação destes transportadores são de 1g/min para o SGLT1 e 0.5g/min para o Glut5, sendo que acima destes níveis os HCO deixam de ser transportados através da mucosa e permanecem no lúmen do intestino. Este processo fisiológico tem sido significativamente correlacionado com o aparecimento de sintomas adversos, como desconforto gastrointestinal e náuseas, que prejudicam o desempenho físico.
Para além do papel de transporte do intestino, também algumas enzimas envolvidas na utilização da glicose/glicogénio, tais como a glicogénio fosforilase e a citrato sintase, estão envolvidas e requerem a exposição a níveis elevados de HCO, em conjunto com a prática de exercício físico, para se adaptarem de forma ideal e contribuírem para melhorar o desempenho de alta intensidade. Se conseguirmos regular as vias metabólicas mediadas por estas enzimas, podemos aumentar a capacidade do nosso corpo para ressintetizar energia sob a forma de ATP (adenosina trifosfato) através da via glicolítica e melhorar a capacidade de atingir e manter os esforços de alta intensidade, retardando a fadiga e aumentando o rendimento.
Sabendo o que queremos, como podemos conseguir estas adaptações?
O segredo passa por submeter o organismo a níveis elevados de HCO e treinar intensamente (>70% do VO2 máximo ou volume máximo de consumo de oxigénio) de forma a estimular o sistema metabólico de energia correspondente, ou seja, a via glicolítica. Desta forma, as vias envolvidas no transporte e na utilização dos HCO são consistentemente ativadas, o que resulta em adaptações metabólicas para dar resposta às necessidades impostas pelos elevados níveis de HCO.
O consequente aumento da expressão e/ou da atividade dos transportadores de proteínas SGLT1 e Glut5 otimiza a absorção dos HCO através da mucosa do intestino, aumentando a taxa de transporte para aproximadamente 1.26g/min, o que resulta num aproveitamento mais eficiente dos HCO. Para além disso, a atividade enzimática também aumenta, registando-se uma maior expressão da fosfofrutoquinase (PFK), da hexoquinase e da piruvato-desidrogenase (PDH) - enzimas chave limitantes na produção de energia pela via glicolítica.
O resultado destas adaptações do organismo é uma maior capacidade de alcançar e manter os esforços de alta intensidade durante o treino de resistência. Basicamente, ao melhorar a absorção e a utilização dos HCO, torna-se possível a obtenção e, mais importante ainda, a manutenção de níveis de desempenho físico de elevada intensidade durante períodos prolongados de tempo. Convém apenas referir que não se registam mudanças na atividade do transportador de proteínas Glut4 - responsável pelo transporte de glicose do sangue para o músculo esquelético - o que apoia a teoria de que o transporte intestinal é o principal fator limitador da absorção e da utilização dos HCO.
Dose diária de HCO
As recomendações podem variar em função do nível de condicionamento físico e do grau de atividade de cada atleta, mas as doses diárias mais comuns apontam para os 5-12g/kg de peso para os atletas de
resistência. Quem treina a um nível mais recreativo, deve começar com uma ingestão de HCO correspondente ao valor mais baixo deste intervalo de referência e experimentar ir aumentando a dose a partir daí. Num estudo científico, que analisou diferentes níveis de ingestão de HCO, os participantes que consumiam 8.4g/kg de peso conseguiram maiores adaptações metabólicas do que os que consumiam apenas 5g/kg. No entanto, a ingestão de quantidades superiores de HCO pareceu não induzir mais melhorias significativas, pelo que é recomendável testar diferentes ingestões e monitorizar sempre os resultados antes de implementar qualquer nova estratégia de treino.
Suplementar com HCO
As bebidas com eletrólitos e hidratos de carbono, os géis e as barras energéticas são frequentemente usados para melhorar o desempenho de resistência, mas a composição e o uso destes recursos ergogénicos devem ser bem fundamentados por resultados científicos. Deves considerar a toma de diferentes suplementos e quantidades de HCO em função da duração dos teus treinos. Acredita-se que, nas sessões com uma duração inferior a 60 minutos, a performance seja significativamente melhorada apenas com uso de um colutório bucal contendo HCO. Apesar dos mecanismos envolvidos neste efeito continuarem ainda a ser debatidos, pensa-se que os receptores presentes na mucosa oral são capazes de detetar a presença de HCO. Esta informação é, depois, transmitida ao cérebro, estimulando o sistema nervoso central (SNC) e induzindo respostas metabólicas no músculo esquelético, responsáveis pela melhoria do desempenho observado. Os treinos de duração superior a 60 minutos têm uma estrutura mais definida:
Duração Ingestão de HCO- 60-120 minutos 30g/min
- 120-180 minutos 60g/min
- 150 minutos 90g/min
Deves ter especial atenção na ingestão de HCO acima dos 60g/min. Quando se suplementa com esta quantidade é importante consumir fontes de HCO que contenham também glicose e frutose, para evitar a saturação do transportador SGLT1 e o desconforto gastrointestinal que lhe está frequentemente associado. A ativação dos transportadores de proteínas SGLT1 e Glut5, pela ação de múltiplas fontes de HCO, aumenta a absorção e a disponibilidade de HCO. Esta estratégia é conhecida como “suplementação com múltiplos hidratos de carbono transportáveis” ou MTC.
Nos treinos com duração superior a 180 minutos, pode ser benéfico o uso de uma outra abordagem conhecida como “carga de hidratos de carbono”. Para que possas ter uma visão abrangente desta técnica, escreverei brevemente um artigo sobre o tema. Portanto, fica atento! Mas de forma muito resumida, a carga de hidratos aproveita a maior sensibilidade das células à insulina induzida pelo exercício físico. No período pós-treino o corpo está preparado para começar a repor as reservas de glicogénio que foram esgotadas. Isto porque a manipulação do treino para induzir a depleção do glicogénio muscular inicia um estado de hiperinsulinemia (aumento da produção de insulina). Nestas condições, fazer uma ingestão invulgarmente alta de HCO (~12g/kg) maximiza a capacidade das reservas de glicogénio e resulta num melhor desempenho físico nos dias de prova. Mas este protocolo requer uma programação detalhada e específica, com alterações no plano de treino e de dieta, o que pode representar um problema para alguns atletas, especialmente para os que têm rotinas pré-competição muito definidas e rígidas. Irei falar com mais pormenor sobre este tema no próximo artigo.
Que conclusões podes tirar?
- . Os hidratos de carbono são necessários para suportar o esforço físico em treinos de alta intensidade.
- . As adaptações intestinais e enzimáticas aumentam a capacidade de absorver e utilizar os HCO, para atingir o máximo desempenho.
- . A combinação entre exercício físico intenso e exposição a níveis elevados de HCO induz maiores adaptações.
- . A fadiga nos treinos com duração superior a 30 minutos está relacionada com a depleção dos HCO.
- . Diferentes durações de treino beneficiam com diferentes tipos e doses de suplementação com HCO.
Claire é uma Nutricionista membro da Academy of Nutrition and Dietetics para além de possuir a certificação em coaching de saúde e bem-estar atribuído pela International Consortium for Health and Wellness Coaching. No seu curriculum conta também com uma licenciatura em Biologia e um Mestrado em Dietética e Nutrição Clínica da University of Pittsburgh.
Falar e escrever acerca de comida e fitness são paixões que qualquer um notará na Claire, para além da sua disponibilidade de partilhar este conhecimento para melhorar outras vidas.
A Claire também possui uma certificação em treino de ciclismo indoor e tem uma paixão muito particular por corrida e aulas de yoga. O impacto mental e físico que lhe dão são únicos. Quando não está a fazer exercício, é normal vê-la a apoiar a equipa local de desporto ou a cozinhar para a família na cozinha.
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