Não sabemos se já terás ouvido falar no assunto, mas tem havido problemas relacionados com uma pandemia nos últimos tempos…
Enquanto te refazes do choque, acrescentamos que isto tem gerado algumas dores de cabeça.
Não só a pandemia criou imensos problemas, como fez incidir um novo foco em questões antigas, que têm hoje uma importância renovada.
Um dos efeitos graves que se têm feito sentir é uma colossal nova onda de pessoas com desordens alimentares (DEs).
Uma outra pandemia?
A BBC publicou recentemente vários artigos que salientam a dimensão da subida recente na procura de apoio para lidar com DEs. As atuais circunstâncias têm sido vistas como a “tempestade perfeita” para causar o aumento destes casos.1
Em Março deste ano, no Reino Unido, uma equipa multipartidária de 40 membros do Parlamento e da Casa dos Lordes pediu fundos adicionais para agir em questões relacionadas com problemas de saúde mental (relacionados com DEs).2
No entanto, o jornal Independent revelou que a maior parte do dinheiro disponibilizado foi redirecionado para outros fins.3
Qual é, então, a gravidade da situação?
A BEAT, uma instituição de caridade para DEs, relatou um aumento de 173% na procura de apoio entre Fevereiro de 2020 e Janeiro de 2021.4
Esta instituição também observa um aumento de 81% no contacto para o conjunto dos seus canais de ajuda em linha. Isto inclui uma subida de 162% em contacto através dos social media e uma de 139% no atendimento em grupos online.
Dados do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido mostram que, desde 2016, o número de casos tratados em hospitais mais que duplicou (de um pouco mais de 10 000 para os presentes mais de 22 000).5 Os tempos de espera estão também a aumentar dramaticamente, e pessoas com necessidade urgente de ajuda estão à espera mais e mais tempo.6
Ainda estamos à espera que mais dados surjam para mostrar como as coisas se alteraram desde o início de 2020, mas as nossas esperanças de que a situação tenha melhorado não são muitas. Na verdade, qualquer pessoa atenta apostaria no contrário.
Outra preocupação séria é que quem tem um problema deste tipo possa ficar vulnerável a sintomas mais severos no caso de contrair a Covid-19.
Adicionalmente, um perito aponta a preocupação de que os números de mortes devido a DEs (que são reconhecidas por terem as maiores taxas de mortalidade entre todas as desordens de saúde mental) estejam presentemente a ser subestimadas pelos serviços de saúde.8
Quais os motivos para isto?
As investigadoras Dawn Branley-Bell e Catherine Talbot procuraram descobrir o impacto da Covid-19 e do confinamento nesta vertente.9
Foi realizado um inquérito durante a etapa inicial do confinamento no Reino Unido em que se reuniram as respostas de 129 pessoas a sofrer de uma DE ou a recuperar de uma.
As respostas não pintam um quadro bonito.
Vale a pena ter em mente que o dados foram recolhidos nos primeiros tempos do isolamento (no primeiro confinamento), mas as investigadoras observaram que a esmagadora maioria (86,7%) dos participantes observaram pioras nos seus sintomas em resultado da pandemia, e mais de 30% indicaram que os seus sintomas tinham ficado muito piores.
E porquê?
O inquérito baseou-se em questões relacionadas com oito temas centrais:- A disrupção nas condições de vida
- Maior isolamento social e acesso reduzido às redes habituais de apoio
- Mudanças nos níveis de atividade física
- Acesso reduzido a serviços de saúde
- Disrupção na rotina e falta de controlo sentida
- Aumento da exposição a estímulos negativos
- Mudanças na relação da pessoa com a comida
- Resultados positivos
De todos os participantes no inquérito, 85% sentiu que as alterações às suas condições de vida haviam piorado os sintomas da sua DE. Estas basearam-se no stress interpessoal (discussões com a família, etc.), o esforço para ocultar o problema a familiares e a outras pessoas, escrutínio acrescido, pressão aumentada para comer mais ou para controlar a sua alimentação e, em alguns casos, perda de controlo sobre a sua alimentação.
O ambiente desempenha um papel importante na recuperação e, com as condicionantes do confinamento, menos atividade física e aumento no stress e na ansiedade, quem sofre deste tipo de problema poderá não ter o ambiente confortável, positivo e seguro de que necessitam para melhorar.
Isolamento social e acesso reduzido às redes de apoio habituais
Das pessoas inquiridas, 86% sentia-se mais isolada que o habitual durante o confinamento. Passar tempo com amigos e família pode ser um fator crítico para a recuperação.
Adicionalmente, passar mais tempo com nós próprios sem distrações pode levar a uma preocupação mais constante com o corpo e a diálogos interiores negativos.
Muitas pessoas usam também situações sociais para controlar o que comem. Sem isto, é mais frequente o excesso de comida ou o jejum completo.
Mudanças nos níveis de atividade física
Cerca de 37% dos participantes relatou um aumento nos seus níveis de atividade física, devido a preocupações com o ganho de peso por estar em casa. Alguns dos participantes relataram na verdade uma redução dos sintomas da sua desordem, mas declararam estar agora a compensar com exercício físico.
Acesso reduzido a cuidados de saúde
Devido ao pesado fardo que a pandemia representou para os serviços de saúde, muitos dos participantes no inquérito indicaram ter recebido baixa prematura, tratamentos interrompidos, colocações em listas de espera e ter recebido um acompanhamento pós-diagnóstico limitado.
Disrupção à rotina e falta de controlo percebida
O controlo é um fator importante em muitos casos. Pessoas com uma DE podem sentir uma perda de controlo sobre diversos aspetos importantes das suas vidas e do seu corpo. Para readquirir algum tipo de controlo, voltam-se para a dieta, para o exercício e para o cuidado com a saúde física de um modo geral.
A questão do controlo torna-se tão paradoxal que aquilo que mais ansiosamente procuram controlar por inteiro transforma-se ironicamente naquilo que mais os controla.
Ver algumas liberdades básicas eliminadas (ter, por exemplo, de ficar em casa) pode ser uma grande fonte de ansiedade, especialmente para casos em que o controlo é um fator importante.
Adicionalmente, dois terços dos participantes sentiam que a sua rotina tinha sido desmanchada com o confinamento. A rotina é uma parte importante da recuperação e a sua interrupção pode ser sentida como perda de controlo, para além de levar a “inspeções” mais frequentes ao próprio corpo e a ruminações sobre o peso, a dieta e o exercício.
Aumento da exposição a mensagens negativas
Mais de 80% dos inquiridos declararam passar mais tempo online, sobretudo nas redes sociais. Estas são uma fonte conhecida de estímulos negativos em tudo o que se relaciona com a imagem e DEs, o que é exemplificado no estudo quando descobrimos que mais de 50% dos participantes relataram que o aumento do tempo passado na internet havia agravado os seus sintomas.
Quantas vezes já vimos mensagens sobre “perder peso para o confinamento no ginásio” ou sobre o ganho de peso durante o confinamento? É fácil imaginar como isto pode ter um impacto gigante em alguém com uma desordem deste tipo, que verifica o seu peso múltiplas vezes por dia.
Mudanças na relação da pessoa com a comida
O primeiro confinamento, que a esta altura parece ter sido há séculos atrás, foi uma ocasião sem precedentes. Um dos fenómenos mais estranhos foi a acumulação de alimentos e artigos domésticos. Com certeza toda a gente se recordará da “crise” do papel higiénico de 2020.
Mas para pessoas com uma DE, a realidade foi ficar ou com comida a mais na casa, ou sem acesso aos alimentos que caíam na categoria de “segurança”, ou que faziam parte da sua rotina à altura.
Qualquer dos cenários ter-se-á manifestado no aumento do stress e da ansiedade, numa disposição mais negativa e em pioras no bem-estar mental em geral. Considerando que a disposição negativa é um dos grandes indicadores de previsão de comportamentos associados a DEs, não é surpreendente que se tenha visto uma subida nos sintomas em resultado a alterações nos padrões de compra de alimentos.
Resultados positivos
O estudo não é completamente pessimista. Um dos pontos mais interessantes foi verificar como a pandemia teve por vezes uma influência positiva.
Por exemplo, embora haja havido acesso físico reduzido às redes de suporte habituais, alguns dos participantes relataram ter usado a internet e os social media (como grupos de Facebook, o WhatsApp e o YouTube) para falar com amigos, receber apoio de comunidades de apoio e seguir a recuperação de outras pessoas.
Adicionalmente, entre pessoas mais novas, ou entre quem não vive sozinho, houve quem sentisse que a presença em casa de familiares, amigos e pessoas queridas era benéfica, proporcionando apoio e segurança acrescidos.
O que podemos fazer a esse respeito e que tipo de recursos estão disponíveis?
Esta é uma questão à qual é difícil dar uma resposta porque depende inteiramente das circunstâncias de cada pessoa.
Se estás a passar por estes problemas, há uma variedade de coisas que podes fazer, a começar já hoje.
Antes de mais, como é evidente, e como esperamos que seja evidente por muito que a tua cabeça te tente convencer que não é verdade, não estás só.
Talvez a coisa mais útil que podes fazer hoje mesmo é encontrar alguém em quem confies para conversar, que possa ouvir-te sem tecer julgamentos e com quem te possas abrir.
Seja um amigo ou familiar, ou mesmo um colega de trabalho, isto é extremamente útil. Também é altamente recomendado que entres em contacto com uma organização ou instituição de apoio dedicada a este tipo de problemas. Encontrarás peritos nesta área que sabem comunicar de formas altamente eficazes.
Poderá também ajudar procurar comunidades de apoio online, começar a analisar as redes sociais (para eliminar todos os canais focados no peso e no corpo) e a usar aplicações que te ajudem a lidar com os teus estados emocionais, como aplicações de mindfulness e de meditação.
Se se trata de uma pessoa que conheces, que não tu, que está a passar por uma situação deste tipo, ou gostarias simplesmente de aprender o que fazer caso encontres uma pessoa em recuperação, há, uma vez mais, muito que podes fazer.
Obviamente, tudo o que mencionámos acima se aplica: escutar sem julgar e desempenhar o papel de ouvinte, não de conselheiro, e simplesmente dar à pessoa um espaço seguro para que ela se possa abrir e falar sobre as suas experiências. E saber para onde apontar, no caso de elas pedirem ajuda.
Recomendaríamos também fazer um pouco de pesquisa sobre as experiências de pessoas com DEs. Isto pode desenvolver um melhor sentido de compreensão sobre o que uma pessoa nesta situação está a passar e criar uma maior empatia e comunicação.
É crucial que estejas ciente de que o teu papel não é “consertar” nada, mas simplesmente apoiar. Tentar “resolver” o assunto pode na verdade ser contraproducente.
Mensagem Final
Acreditamos que não será necessário frisá-lo: esta pandemia não é nada agradável.
Têm sido tempos especialmente difíceis para quem sofre de uma DE, e os números de pessoas que procuram apoio e os tempos em listas de espera dispararam. Os confinamentos têm causado muitos mais problemas que os que haviam sido antecipados, e esta área não é exceção.
Mas nem tudo são más notícias: comunidades de pessoas com DEs (sobreviventes e recuperados) estão a surgir dos escombros da pandemia e proporcionam um lugar seguro de apoio e confiança para quem está a lutar.
Se estás em recuperação, não estás só. Há ajuda à tua disposição e nem sempre tem de ser encontrada no fim de uma lista de espera.
Aqueles que conhecem quem esteja a passar por um problema desta natureza devem saber que podem ajudar. Devem lembrar-se de não procurar resolver o problema, mas simplesmente proporcionar apoio.
Uma das maiores ferramentas para lidar com uma DE é a comunicação: encontrar alguém com quem podemos comunicar ou ser a pessoa que escuta sem julgar. Juntos, podemos superar estes problemas. Não têm definir quem és ou durar para sempre.
1. BBC.(2021). Pandemic’s Perfect Storm for Rise in Eating Disorders.
2. BBC. (2021). Eating disorders: MPs call for government action amid pandemic rise.
3. The Independent.(2021). Millions of pounds to treat young people with eating disorders diverted elsewhere.
4. BEAT. (2021). Eating Disorders and Coronavirus.
5. NHS. (2020). Hospital admissions for eating disorders 2016-2020.
6. NHS. (2021). Children and Young People with an Eating Disorder Waiting Times.
7. Touyz, S., Lacey, H., & Hay, P. (2020). Eating disorders in the time of COVID-19.
8. BBC. (2021). Anorexia: Coroner’s concern over eating disorder deaths under-reporting.
9. Branley-Bell, D., & Talbot, C. V. (2020).Exploring the impact of the COVID-19 pandemic and UK lockdown on individuals with experience of eating disorders. Journal of eating disorders, 8(1), 1-12.
Evangeline tem uma larga experiência em desportos de competição desde tenra idade. Por exemplo, a sua experiência como instrutora de vela RYA ensinou-lhe o quão importante é cuidar da sua alimentação para um rendimento de topo em desportos extremos e de endurance. Este foco na alimentação permitiu-lhe atingir o estatuto de capitã da equipa olímpica do Reino Unido e treinar a equipa da sua universidade.
Nos seus tempos livres, a Evangeline adora correr maratonas. Ao fim de semana irás encontrá-la a fazer desportos aquáticos ou escalada. Ao anoitecer opta por sessões de treino de alta intensidade ou um treino de squats antes de comer uma bela refeição picante com muitas verduras - yum!
Descobre mais da experiência da Evangeline aqui.