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Proteína: a verdade para além dos mitos

Proteína: a verdade para além dos mitos
Filipe Teixeira
Escritor6 anos Atrás
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No passado dia 3 de Novembro de 2018 foi publicado um artigo numa conhecida revista semanal abordando a temática da suplementação proteica.

 

Nesse sentido a Myprotein pediu-me alguns comentários, em relação a algumas afirmações presentes no artigo.

A ingestão de proteína acima da Recommended Dietary Allowance (RDA), tem sido proposta na ordem de 1,2 a 1,6 g/kg de peso corporal/dia-1 (1). Esta necessidade aumentada, de acordo com os autores, prende-se com diversos benefícios, que podem ser atribuídos a uma ingestão mais alta de proteína.

De acordo com o disposto pela legislação em vigor, os suplementos alimentares “Destinam-se a complementar e/ou suplementar o regime alimentar normal, não devendo ser utilizados como substitutos de um regime alimentar variado.” (Decreto-Lei n.º 118/2015), algo que as marcas de suplementos são obrigadas por lei a mencionar na sua rotulagem.

Assim, os suplementos proteicos deverão ser ingeridos visando exclusivamente complementar o regime alimentar e não como substitutos de alimentos.

“Não interessa nada ganhar mais músculos à custa da ingestão proteica."

Estranho de facto esta posição, uma vez que a proteína, em particular a sua composição em aminoácidos essenciais, parece ser determinante no aumento da síntese proteica muscular (SPM) (2).

As atuais recomendações para maximizar a SPM ao nível da ingestão proteica, na refeição pós-treino, situam-se em ≈0,25 g/kg para indivíduos jovens (3, 4), com valores mais altos a serem propostos para indivíduos mais velhos ≈0,40 g/kg (5).

O teor de leucina parece também ser um fator importante, pela capacidade deste aminoácido iniciar a SPM (6). Em suma, qualquer proteína que forneça de 6 a 15 g de aminoácidos essenciais, dos quais 1,7 a 5 g de leucina, terá o potencial de maximizar SPM (7), reunindo neste âmbito o soro de leite alguma vantagem pela rápida absorção, elevado teor de leucina e menor eliminação pelo trato digestivo (8).

Em relação à massa muscular, parece-me indiscutível a sua importância, desde a redução do peso, patologias do foro cardíaco, resistência à insulina, etc. (9) Mesmo em situações patológicas de maior gravidade, a preservação da massa muscular parece de importância primordial.

De uma forma geral, a massa muscular e a força parecem estar inversamente correlacionadas com a mortalidade nas populações ocidentais (14, 15).

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No que concerne a ingestões mais altas de proteína, tais parecem indicar melhoria da composição corporal em indivíduos novos (16) e idosos (17) assim como prevenir a recuperação do peso perdido (18), sem influenciar negativamente a qualidade óssea (19).

Perante um processo de perda de peso, a proteína ganha especial destaque, em conjunto com o treino da força, na preservação da massa muscular (20).

Para este efeito, em atletas, têm sido sugeridas quantidades entre 1,8 e 2,7 g/kg de peso corporal/Dia-1 e em sedentários de 1,2 a 1,6 g/kg de peso corporal/dia-1 (1, 21). Quando visando otimizar a hipertrofia muscular (em balanço calórico positivo), a ingestão proteica diária deverá situar-se entre 1,62 e 2,2 g/kg peso corporal/dia-1 (22).

“Os suplementos alimentares não são fiscalizados pelo Infarmed como os medicamentos."

Efetivamente não o são, porque de acordo com a legislação são géneros alimentícios, não estando assim sobre a regulação do INFARMED. Para que fossem efetivamente regulados pela autoridade dos medicamentos, os mesmos teriam de ser enquadrados na legislação respectiva.

“Já seguiu três casos de adolescentes que se queixavam de falta de pêlos, desenvolvimento genital comprometido e ausência de barba. Tomavam esse tipo de batidos e a médica, admitindo a presença de androgénios na sua composição, mandou- os fazer análises às hormonas sexuais e detetou uma presença anormal de testosterona.”

Algumas marcas apresentam certificação Informed-Choice (www.informed-choice.org) ou outras, minimizando a possibilidade de contaminação com substâncias dopantes, entre as quais os esteróides anabolizantes (testosterona e análogos).

Em relação ao quadro de hipogonadismo relatado, uma vez que os suplementos em questão não foram analisados, fica no domínio especulativo a contaminação dos suplementos proteicos.

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No entanto, salientamos que a utilização de esteroides anabolizantes pode induzir a um quadro de hipogonadismo, pela inibição do eixo hipotálamo-hipófise- testículo, dependendo a sua severidade do tipo de substância e tempo de administração (23).

Alguns trabalhos têm também reportado quadros de hipogonadismo, em indivíduos mais jovens, mediante a utilização destes fármacos (24). De facto, alguns suplementos comercializados como pró-hormonais podem conter quantidades significativas destas substâncias, devendo o consumidor evitar o seu consumo (25).

Pelo que tenho conhecimento, a Myprotein, na sua política Drug Free, não comercializa tais substâncias, colocando sempre a segurança do seu cliente em primeiro lugar.

“Até porque um estudo da Universidade da Finlândia Oriental, que seguiu 2 400 homens de meia-idade durante 22 anos, chegou à conclusão de que um regime baseado em proteínas resulta em 49% de maior risco de o coração falhar.”

Segundo os autores do estudo em questão (26): “In middle-aged men, higher protein intake was marginally associated with increased risk of HF.”

O risco foi marginal, nas palavras dos próprios autores. Note-se, porém, que estes resultados não são consensuais. Outros estudos têm demonstrado a ausência de qualquer relação entre a ingestão proteica e a incidência de doença coronária (27).

Alguns trabalhos têm também sugerido que o risco poderá aumentar, quando a ingestão proteica é feita a partir de carnes vermelhas (28).

É importante ter em conta estes fatores confundidores em qualquer estudo epidemiológico. Nas palavras da própria Organização Mundial de Saúde (29):

  • “Moreover, evidence has accumulated from human studies that diets with a higher proportion of protein are beneficial for the heart (54, 55).Analysis of the data from the Nurses Health Study, which included 14 years of follow-up of 80 082 women aged 34 to 59 years, showed a moderate inverse correlation between protein intake and incidence of ischaemic heart disease (56). Furthermore, this association was apparent for both animal and vegetable protein.”

“Um paper, proveniente de outro estudo, publicado no ISRN Nutrition, alerta para o facto de uma ingestão elevada de proteína poder ser inútil ou até prejudicial para indivíduos saudáveis, especialmente para os que se autoprescrevem com suplementos. O excesso de proteína, lê-se, “não é usado eficientemente pelo corpo e pode impor uma carga metabólica nos ossos, rins e fígado”.”

Bom, a razão pela qual se cita um artigo publicado em 2013, numa revista que já não está em atividade desde 2017, intriga-me.

Uma recente meta-análise efetuada a partir de estudos experimentais, publicada numa conceituada revista científica de Nutrição, vem descartar esta possibilidade, não mostrando qualquer associação entre o consumo de proteínas e a função dos rins (30).

Ainda este ano, outro grupo de investigação tinha publicado uma revisão sistemática reportando resultados similares ao estudo anterior (31).

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Assim em indivíduos saudáveis, dentro das recomendações atuais, é altamente improvável que uma ingestão proteica mais alta cause falha no funcionamento dos rins. Em indivíduos com esta patologia ou que desconhecem o seu estado de saúde, esta abordagem não é recomendada.

“Com proteína a mais, cria-se massa gorda e depois há que secá-la. Além disso, desgasta-se mais o fígado, que faz a transaminação dos aminoácidos, e os rins, que eliminam a ureia.”

 

A ideia que a ingestão proteica incrementa a massa gorda não é validada por estudos experimentais. A proteína não se relaciona com um aumento de massa gorda, podendo inclusive incrementar a massa isenta de gordura e o gasto energético (32).

Em relação ao gasto energético, não parecem restar dúvidas de que o mesmo é influenciado pela ingestão proteica (33). Noutro estudo, a ingestão de 4,4 g/kg peso corporal/dia-1, durante dois meses, mesmo mediante um excedente energético de 800 kcal/dia, não levou a um incremento de massa gorda (34).

Apesar de, teoricamente, alguns aminoácidos poderem ser convertidos em lípidos (via acetil-CoA), os poucos estudos experimentais efetuados até ao momento, não ratificam a relevância dessa via bioquímica em contexto fisiológico.

“Nada disto significa que a proteína não seja importante. Aliás, ela deve constituir 35% da nossa dieta alimentar, porque sacia, fortalece os ossos, fornece energia sem engordar e, de facto, é um elemento que ajuda à estruturação dos músculos.”

Torna-se difícil cumprir a RDA e ao mesmo tempo ingerir o limite superior dos acceptable macronutrient distribution ranges ([AMDR] 10-35% da ingestão energética diária).

Note-se (35): "Nonetheless, a comparison of the protein requirement (RDA) of a 55-year-old man who is 1.80 m, weighing 80 kg, at 64 g protein/day versus the range of protein intakes from the AMDR of 65–228 g protein/day (assuming an energy requirement of 2,600 kcal/day or 10.9 MJ/day) reveals quite a disparate recommendation.”

Neste mesmo artigo o autor sugere que se siga a AMDR em detrimento da RDA, uma vez que esta está mais em linha com uma ingestão ótima (35).

“Nesta sua última função, ela deve ser ingerida na meia hora que se segue ao treino, pois é nessa janela anabólica que a proteína vai desencadear a produção de insulina.”

A questão da janela anabólica já foi desmistificada por Schoenfeld et al. em 2013, tendo sido demonstrado a partir de uma meta-análise de 25 estudos, que a ingestão proteica diária total é o fator mais determinante na hipertrofia muscular, com pouca ou nenhuma relevância a ser atribuída ao seu timing de ingestão (36).

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Também não parece haver diferença entre ingerir proteína antes e após o treino, tanto em homens (37) como em mulheres mais velhas (38). Em relação à insulina ser anabólica, deverá notar-se que a insulina é permissiva em relação à SPM.

Dentro dos valores sistémicos (fisiológicos) a insulina não aumenta SPM (39). Apenas quando a insulina administrada exogenamente excede 50 000 pmol/L (valor suprafisiológico), se verifica um aumento da SPM (39).

“Não são melhores do que um molho de brócolos. Temos de merecer os nossos suplementos e isso só acontece quando nos alimentamos bem, treinamos bem e descansamos mais. Eles são algo adicional, nunca um substituto.”

Embora o efeito seja modesto, os suplementos proteicos contribuem com algum incremento ao nível da hipertrofia muscular, sobretudo em indivíduos treinados, com rotinas de treino de corpo inteiro ou em conjunto com treino supervisionado(22). Terá de ser um molho de brócolos bem grande para atingir as recomendações aqui referidas (talvez 1,5 a 2 kg para atingir os valores recomendados de leucina)

No entanto como já foi referido, estou completamente de acordo: suplementos não substituem alimentos.

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  2. Cuthbertson D, Smith K, Babraj J, Leese G, Waddell T, Atherton P, et Anabolic signaling deficits underlie amino acid resistance of wasting, aging muscle. Faseb j. 2005;19(3):422-4.
  3. Moore DR, Robinson MJ, Fry JL, Tang JE, Glover EI, Wilkinson SB, et al. Ingested protein dose response of muscle and albumin protein synthesis after resistance exercise in young men. Am J Clin Nutr. 2009;89(1):161-8.
  4. Witard OC, Jackman SR, Breen L, Smith K, Selby A, Tipton KD. Myofibrillar muscle protein synthesis rates subsequent to a meal in response to increasing doses of whey protein at rest and after resistance exercise. Am J Clin Nutr. 2014;99(1):86-95.
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Filipe Teixeira é licenciado em Ciências da Nutrição pela Universidade Atlântica e doutorando em Fisiologia do Exercício pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e já conta com uma vasta experiência profissional, tendo sido Director de Nutrição do Tudor Bompa Institute International (Noruega).   Atualmente, é investigador no laboratório de Fisiologia e Bioquímica do Exercício da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, onde se encontra a concluir o seu doutoramento em Fisiologia do Exercício.   No seu projeto de doutoramento conta com a colaboração da Universidade de McMaster sendo coorientado pelo conceituado Professor Stuart M. Phillips (líder mundial na área do metabolismo proteico e Nutrição Desportiva). Possui diversas publicações em revistas científicas internacionais de renome, entre as quais se destacam a Medicine & Science in Sports & Exercise (revista oficial do American College of Sports Medicine).   É também Professor Assistente Convidado na Universidade Atlântica, leccionando a Unidade Curricular de Alimentos Funcionais e Suplementação Alimentar. Já lecionou formação nas áreas da Nutrição no Exercício, Doping, Suplementação e Nutrição em Natural Bodybuilding. Tem desenvolvido trabalho com vários atletas entre os quais se destacam atletas vencedores de provas de culturismo natural e crosstraining.   Linkedin. https://www.linkedin.com/in/filipe-j-teixeira-643799170/
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