“O segredo para perder peso comendo mais!”
Já todos ouvimos este slogan de vendas nas redes sociais. Trata-se de uma dieta que se tem recentemente popularizado, prometendo que poderemos comer mais comida e ainda assim emagrecer. Parece bom demais para ser verdade, não é assim? A perda de peso é conseguida através de um défice energético sustentado a longo prazo. Portanto, como é possível perder peso quando comemos mais?
E no entanto, isto é viável.
Contudo, a explicação exige um pouco de paciência, uma vez que as coisas não são assim tão simples. Quando dizemos que é possível comer mais e perder peso, estamos normalmente a falar de um de três resultados:
- Adaptação metabólica;
- Ingerir mais comida, mas um número igual, ou menor, de calorias totais;
- Os benefícios gerais de uma nutrição equilibrada e de nos alimentarmos devidamente.
Vamos explorar cada um destes três métodos e investigar as possibilidades.
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Adaptação metabólica
Nos termos mais simples, a adaptação metabólica é a resposta do corpo à comida, bebida e exercício.
Ocorre durante todas as formas de gestão do peso: quando estamos a fazer dieta, a manter o peso ou a ganhar peso. Quando ingerimos mais comida, o nosso dispêndio total de energia aumenta. Quando ingerimos menos comida, pela lógica inversa, o nosso dispêndio total de energia diminui. Quanto mais restritiva é uma dieta, mais o corpo tenta “lutar” contra ela, e compensar gastando menos energia. As formas que isto toma são:
- Mudanças no dispêndio de energia na digestão;
- Mudanças na temperatura corporal;
- Mudanças no dispêndio de energia na atividade física.
Alguns tipos de comida estão associados a um gasto maior de calorias durante a sua digestão e uso pelo organismo. Os dados mostram que uma alimentação rica em proteínas pode levar a um maior gasto de energia.1 Isto pode dever-se à estrutura complexa das proteínas e à forma como são usadas pelo corpo, o que contribui para serem uma ferramenta tão importante para a gestão do peso.
A proteína é também excelente para a manutenção da massa muscular, que, pela sua mera existência, impõe exigências energéticas ao corpo.
Finalmente, as proteínas também reduzem a saciedade, graças ao seu papel na ativação das hormonas que produzem a sensação de saciedade, reduzindo ao mesmo tempo a secreção de hormonas da fome.
Por isso, uma das melhores maneiras de “comer mais” é simplesmente aumentar o consumo de proteínas. Poderemos com isso conseguir ingerir menos energia no total, queimar mais energia e ainda assim sentir o estômago cheio e saciado.
Estamos realmente a “comer mais”?
É frequente aumentarmos a quantidade de comida que ingerimos quando queremos fazer uma alteração à nossa alimentação com vista nalgum objetivo específico. Pode tratar-se do volume de comida ou da frequência das refeições.
Quem decide comer mais pode também dar por si a ser menos restritivo com o que come, quer em termos da quantidade quer do conteúdo. Comer o que gostamos é uma parte importante de um progresso sustentável a longo prazo, em vez de um voo curto. Sermos menos restritivos com o que comemos, e quanto, também pode reduzir a probabilidade de eventualmente comermos em excesso.
Outra forma de “comer mais” é seguir uma alimentação guiada pela volumetria. Esta abordagem tem por objetivo a perda de gordura baseada no consumo de alimentos pouco energéticos, mas ricos noutros tipos de nutrientes e em água. A ideia principal é que alimentos com um alto conteúdo de água e poucas calorias são preferíveis para manter a fome ao largo e controlar o consumo de calorias. Outros hábitos saudáveis, como o exercício regular e manter um registo do que comemos, são também boas recomendações. Há estudos que mostram como aumentar a quantidade deste tipo de alimentos pode levar a menos tentações, mais saciedade e menos fome.2 Estudos a longo prazo têm demonstrado que dietas com uma quantidade maior de alimentos densos em energia levam ao ganho de peso, enquanto seguir uma abordagem volumétrica resulta em emagrecimento.3,4 O truque com esta dieta é que estamos tecnicamente a comer mais em termos de volume, mas a consumir menos energia (ou a mesma), pelo que estamos “a comer mais e a perder peso” num sentido muito literal.
Uma estratégia brilhante e subestimada
Uma das estratégias nutricionais mais eficazes e úteis a uma série de níveis é a ideia de dar ao corpo “combustível”, em vez de andar o tempo todo de “tanque vazio”. Com andar de tanque vazio, queremos dizer: fazer dietas extremamente restritivas, juntamente com exercício físico intenso.
Seguir uma estratégia apropriada de proporcionar combustível ao corpo, em vez da restrição, ajuda-nos de muitas formas. Evitar as deficiências de nutrição é certamente uma delas, mas também:
- Manter o bem-estar do sistema imunitário;5
- Dormir melhor;6
- Melhorar a disposição e o bem-estar mental;7
- Desenvolver a massa muscular;8,9
- Intestinos saudáveis.10
Dar combustível ao organismo em vez de nos limitarmos a uma alimentação restritiva significa uma abordagem mais moderada e lenta à mudança de peso. Toda a gente tem pressa em atingir o seu corpo de sonho, mas esta pressa muitas vezes é prejudicial aos nossos esforços, porque é insustentável a longo prazo.
As chaves para a perda de peso são a consistência, a paciência e o défice energético. Recomendamos uma abordagem leve em relação a este último. Tentar comer o mais possível, dentro dos limites que nos permitem continuar a perder peso. Vale a pena procurar treinadores que apostam nesta abordagem. Podem ser difíceis de encontrar, mas fazem muitas vezes mais pelo nosso progresso que os gurus da perda rápida de gordura.
Perceber que podemos emagrecer e manter o novo peso sem ter de fazer uma dieta dilacerante pode ser uma experiência incrivelmente libertadora para quem falhou vezes sem conta nas mãos de dietas rápidas e treinadores irresponsáveis.
Mensagem final
Embora sejamos defensores de algum ceticismo quando ouvimos alguém afirmar que pode ajudar-nos a perder peso comendo mais comida, este resultado não é impossível, quando há uma orientação racional a guiar-nos.
Há algumas formas de contribuir para este propósito: fazer uma alimentação rica em proteínas (recomendamos 1,2 a 1,4 gramas por quilograma de peso corporal por dia) e adotar uma abordagem volumétrica à alimentação. Para quem tem dificuldades com a fome quando tenta perder peso, estes dois fatores podem fazer uma diferença imensa.
A nossa capacidade de perder peso pode ser aumentada em consequência da quebra de um padrão de restrição-sobrealimentação, dando mais combustível aos nossos movimentos ou mesmo reduzindo o impacto das adaptações metabólicas que ocorrem em consequência de dietas excessivas.
Esperamos ter esclarecido os mecanismos por que esta estratégia aparentemente contraditória pode resultar em algumas circunstâncias. Adota estas ideias e aposta num progresso gradual, sustentável e a longo prazo.
1. Moon, J., & Koh, G. (2020). Clinical Evidence and Mechanisms of High-Protein Diet-Induced Weight Loss. Journal of obesity & metabolic syndrome, 29(3), 166–173. https://doi.org/10.7570/jomes20028
2. Buckland, N. J., Camidge, D., Croden, F., Lavin, J. H., Stubbs, R. J., Hetherington, M. M., Blundell, J. E., & Finlayson, G. (2018). A Low Energy-Dense Diet in the Context of a Weight-Management Program Affects Appetite Control in Overweight and Obese Women. The Journal of nutrition, 148(5), 798–806. https://doi.org/10.1093/jn/nxy041
3. Stelmach-Mardas, M., Rodacki, T., Dobrowolska-Iwanek, J., Brzozowska, A., Walkowiak, J., Wojtanowska-Krosniak, A., Zagrodzki, P., Bechthold, A., Mardas, M., & Boeing, H. (2016). Link between Food Energy Density and Body Weight Changes in Obese Adults. Nutrients, 8(4), 229. https://doi.org/10.3390/nu8040229
4. Bes-Rastrollo, M., van Dam, R. M., Martinez-Gonzalez, M. A., Li, T. Y., Sampson, L. L., & Hu, F. B. (2008). Prospective study of dietary energy density and weight gain in women. The American journal of clinical nutrition, 88(3), 769–777. https://doi.org/10.1093/ajcn/88.3.769
5. Wu, D., Lewis, E. D., Pae, M., & Meydani, S. N. (2019). Nutritional Modulation of Immune Function: Analysis of Evidence, Mechanisms, and Clinical Relevance. Frontiers in immunology, 9, 3160. https://doi.org/10.3389/fimmu.2018.03160
6. Zhao, M., Tuo, H., Wang, S., & Zhao, L. (2020). The Effects of Dietary Nutrition on Sleep and Sleep Disorders. Mediators of inflammation, 2020, 3142874. https://doi.org/10.1155/2020/3142874
7. Rao, T. S., Asha, M. R., Ramesh, B. N., & Rao, K. S. (2008). Understanding nutrition, depression and mental illnesses. Indian journal of psychiatry, 50(2), 77–82. https://doi.org/10.4103/0019-5545.42391
8. Elia, M. (1999). “Organ and Tissue Contribution to Metabolic Weight.” Energy Metabolism: Tissue Determinants and Cellular Corollaries. Kinney, J.M., Tucker, H.N., eds. Raven Press, Ltd. New York: 61-79.
9. Mareschal, J., Achamrah, N., Norman, K., & Genton, L. (2019). Clinical Value of Muscle Mass Assessment in Clinical Conditions Associated with Malnutrition. Journal of clinical medicine, 8(7), 1040. https://doi.org/10.3390/jcm8071040
10. Xu, Z. and Knight, R. (2015) “Dietary effects on human gut microbiome diversity,” British Journal of Nutrition. Cambridge University Press, 113(S1), pp. S1–S5. doi: 10.1017/S0007114514004127.
Claire é uma Nutricionista membro da Academy of Nutrition and Dietetics para além de possuir a certificação em coaching de saúde e bem-estar atribuído pela International Consortium for Health and Wellness Coaching. No seu curriculum conta também com uma licenciatura em Biologia e um Mestrado em Dietética e Nutrição Clínica da University of Pittsburgh.
Falar e escrever acerca de comida e fitness são paixões que qualquer um notará na Claire, para além da sua disponibilidade de partilhar este conhecimento para melhorar outras vidas.
A Claire também possui uma certificação em treino de ciclismo indoor e tem uma paixão muito particular por corrida e aulas de yoga. O impacto mental e físico que lhe dão são únicos. Quando não está a fazer exercício, é normal vê-la a apoiar a equipa local de desporto ou a cozinhar para a família na cozinha.
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